Marcos Abreu | a persistência em cartaz | 08 ago - 09 set 2018

 

Marcos Abreu | A persistência em cartaz

Os trabalhos de Marcos Abreu, mais do que de ateliê, nascem no ateliê. Em se tratando de um artista, uma frase dessas soaria redundante, mas nele esse não é o caso. As obras aqui expostas não elegeram a gravura como abordagem por acaso: lançar mão da repetição e da serialidade como modos de persistir em torno de dilemas que um meio pode lhe colocar, assimilar elementos casuais e residuais do processo, prosseguir testes sobre como uma cor reage a diferentes situações conforme sua espessura ou camadas de impressões são sobrepostas estabelecem uma singular situação na qual ao mesmo tempo em que cada trabalho se individualiza, eles mutuamente estabelecem uma decidida relação de todo, como se o conjunto também fosse uma obra em si. Isso se manifesta nos grupos que, ao se formarem, nos fazem perceber como Marcos num momento pode, por exemplo, contrastar uma mesma cor através de uma variação simples de como ela se encarna no papel ou, em outro momento, como um determinado motivo formal é submetido ao seu limite. Limite, aliás é uma palavra adequada para indicar a partir de onde ele articula sua poética. Se pudéssemos recorrer a um artista da história da arte, diria que Marcos procede de uma maneira afinada àquela de Robert Ryman, que espreita onde a linguagem deixa uma brecha, podendo daí senão se reinventar, ao menos recomeçar seu jogo. No caso de Marcos, é interessante o fato dele alternar em certos momentos de levar para a gravura elementos visuais pictóricos e em outros dele ser “radicalmente gráfico”, isto é, explorando o quanto a cor “gráfica” possui qualidades plásticas e espaciais significativamente diferente daquela da pintura.

Retomando a questão da série, é digno de menção uma certa visualidade urbana presente nos conjuntos. Dito de outro modo, o que a princípio pareceriam “cartazes abstratos”, fala também de uma experiência que não se restringe mais a experimentar um objeto individualizado, mas – como nas peças gráficas espalhadas por qualquer cidade – numa percepção que se estrutura na repetição (no seu caso, porém, numa repetição onde não há iguais).  A recorrência a elementos como letras, frases soltas – que inevitavelmente podem nos levar a casos históricos como o cubismo, Rodchenko ou Jasper Johns, aqui são uma espécie de provocação deste elemento comunicativo (a palavra, o texto) que mais do que se tornarem aqui uma forma abstrata, acabam igualmente por serem a um só tempo o único elemento menos figurado do que figurante (no sentido de sugerir a conformação de uma imagem) assim como aquele que nos lembra do abismo entre a representação visual e a textual. Por fim, ainda nesse quesito, ele nos aponta também para uma percepção no cotidiano na qual é quase impossível haver coisas nas quais texto e imagens se apresentem separados – daí novamente o seu interesse por aquela compacidade visual que é o cartaz.

Concluindo, esta exposição é uma proveitosa ocasião para pensarmos ainda sobre quais os potenciais da gravura – a mais moderna das linguagens (nasceu na modernidade e pareceu ter chegado a um impasse nela) – se abrem. Marcos, vale dizer, não é um “gravador”, mas um artista que num determinado momento revisitou os meios da gravura para pensar na formulação daquilo que descrevemos acima como uma plasticidade gráfica. No entanto, desafiando também o limite da série (que pressupõe uma percepção instantânea), bem como o do antigo connoisseur (que se embrenhava demoradamente em busca de detalhes), este conjunto nos pergunta qual o tempo de nosso olhar e quais os modos segundo os quais ele se projeta sobre esses trabalhos, uma vez que eles perfazem uma trama de diferentes processos emprestados de cada linguagem com as quais as séries dialogaram.

Guilherme Bueno.