Maria-Carmen Perlingeiro e Teresa Salgado | Luzes em pedra e papel | 13 nov - 15 dez 2013


A partir de 12 de novembro, a Mul.ti.plo Espaço Arte é das mulheres. Esculturas de Maria-Carmen Perlingeiro, na Sala 1, e fotografias de Teresa Salgado, na Sala 2, compõem duas individuais que se aproximam – pela sutileza que os trabalhos transmitem aos olhos – e contrastam pelos suportes: as pedras de Maria-Carmen e o papel fotográfico de Teresa. “De certa forma, as duas têm um traço em comum: a delicadeza”, diz Maria Cristina Magalhães Pinto, sócia da galeria. “Tanto o trabalho de Maria-Carmen como o de Teresa buscam a luz, mesmo que de maneiras diferentes. Em uma, a luminosidade do ouro vista através da transparência da pedra; em outra, pelo contraste do preto e do branco”, complementa Stella Silva Ramos, que completa o trio de sócios da Mul.ti.plo com Luiz Carlos Nabuco.
 

Maria-Carmen Perlingeiro, a ‘leveza’ da pedra

Maria-Carmen Perlingeiro começou a carreira como gravurista – inclusive com um ateliê de serigrafia, em que imprimia trabalhos para diversos artistas. Ao mesmo tempo, realizava um trabalho conceitual, ligado à cultura popular, como a série Bicho de sete cabeças, exposta no MAM, em que 96 objetos eram dispostos em displays, como em supermercados, embalados em sacos plásticos. Na “etiqueta do produto” (objetos cotidianos como luvas, penas, facas), provérbios populares que remetiam a animais (“Vá pentear macaco”, “À noite todos os gatos são pardos”, “Mais vale um pássaro na mão do que dois voando”...).

 Em 1982 muda-se para Nova York. E lá todo o resto também mudou. Rende-se definitivamente à escultura – a princípio, à maleabilidade do barro; depois, por 10 anos, pela brancura imaculada e a rudeza do mármore de Carrara; e finalmente pela pedra que é a principal matéria-prima de seu trabalho até hoje: o alabastro. “Eu não pensava que o caminho das pedras era tão árduo e longo”, brinca Maria-Carmen. Quatro anos depois ruma para Genebra, e ali instala sua vida (onde mora até hoje), seu ateliê e suas pedras, que vêm em toneladas de Volterra, na Toscana. 

O alabastro é uma pedra muito especial: cavada em grande profundidade, deve ser retirada aos poucos, para não entrar em choque com a temperatura externa. É fatiada e enviada para o ateliê em Genebra. Depois de polida, deixa aparecer sua transparência. Marcas naturais surgem, gravadas pela natureza. O que, de certa forma, a leva de volta ao início da carreira com a gravura. “Os veios da pedra carregam uma ideia de repetição, de reter na memória, como as gravuras. É quase como uma oportunidade de fazer da gravura uma instalação”, diz a artista. O recorrente uso de ouro em suas peças é também como “um desenho gravado em folha de pedra”.  E, como ela mesma disse, o caminho das pedras é trabalhoso: “Sou eu quem executa minhas peças. Corto com martelo, raspo, dou polimento, uma atividade bruta, física. Mas depois, ao passar a lixa d’água, o encanto da pedra vai aparecendo aos poucos, sua translucidez, que deixa transparecer a luz através de sua massa”, diz.

Na mostra da Mul.ti.plo, Maria-Carmen mostra peças inéditas, e das séries Magnólias (em alabastro e ouro), Compensados (em aragonita, uma pedra cuja aparência é semelhante à madeira) e Tattoos (alabastro e ouro com base de ferro). Esta última representa o papel da tatuagem humana: a pedra tem o tom da pele e as estrelas tatuadas no arabastro adquirem um sentido de eternidade – durarão enquanto a longínqua pedra estiver de pé.


Teresa Salgado, a poética das linhas

Já o trabalho de Teresa Salgado seguiu uma trajetória diferente. Artista plástica por formação e educadora por paixão, Teresa dá aulas de diversas técnicas há mais de 30 anos, e durante muitos anos teve uma experiência artística muito intensa com a pintura. No fim da década de 1990, começou a fotografar. “Em um primeiro momento, estava apenas interessada em exercitar a percepção do olhar. Mas logo nos primeiros ensaios entendi que as imagens que buscava estavam intimamente ligadas ao meu repertório plástico, como linhas, geometria e luz”, conta Teresa, que através da fotografia pode ampliar conceitos e afirmar este mesmo repertório com mais potência.

Teresa Salgado é uma artista que quebrou a barreira do suporte. Seu trabalho, como o que estará exposto na Mul.ti.plo, propõe o diálogo entre pintura, desenho, instalação, colagem. E poesia. “A fotografia amplia o pensamento do que vejo na pintura ou no desenho”, explica Teresa.  

A mostra da Múltiplo reúne trabalhos realizados a partir de 2000 – alguns mais gráficos e objetivos e outros mais poéticos. A série Memória presente reúne quatro fotos de uma intervenção feita na areia da praia, onde uma corda conduz palavras e silêncios a destinos imaginários. “É uma interpretação do conto O Aleph, de Jorge Luis Borges, que revela uma rede infinita de universos paralelos que convergem para um ponto de extrema luminosidade”, diz. “A ideia era buscar o fio que tece e entrelaça o passado, o presente e o futuro, e que conduz ao ponto primordial e único: a memória, que tudo contém.”

Esta série deu origem a outra, Retrilhas, em que Teresa captura, através do desenho de linhas, um determinado instante do movimento da água de uma piscina. Outra série, de 2013 e ainda na pesquisa das linhas, segue os desdobramentos de uma rede, em que linhas ora se contraem, ora se expandem, ora se contorcem, desenhando um movimento diferenciado no espaço. Outras quatro fotos compõem a exposição: D’aprés Pedro e Inês, Birg Sur e Big Soul – que têm em comum o fato de serem “imagens silenciosas” – e Eco, que aborda a questão da luz e da linha.